Quando a gente pensa em carreira, tendemos a nos focar apenas nos aspectos individuais, nas escolhas profissionais de cada um, o que cada um valoriza no trabalho e qual seu propósito pessoal.
Só que acabamos negligenciando, muitas vezes, que esse indivíduo está inserido em um contexto social e que ele está atuando em um mercado de trabalho específico. Ou seja, embora associemos a carreira ao indivíduo, há múltiplos fatores que interferem na carreira dos sujeitos e que fogem ao seu controle, como a economia, questões culturais e sociais, oportunidades de formação e atuação e assim por diante. Aí está a pandemia para provar justamente isso!
Cada indivíduo tem capacidade de agir conforme seus valores e tomar suas próprias decisões de carreira. Isso a gente chama de “agência”. Só que a amplitude dessa agência dos sujeitos é fortemente influenciada por fatores culturais, sociais e econômicos, que podem expandi-la ou limita-la. A gente chama esses fatores de "estrutura", e a ação combinada de vários agentes é que dá a origem à estrutura, que por sua vez orienta e delimita a agência das pessoas. Essa lógica é muito estudada no campo da sociologia, e remete à pergunta “quem veio primeiro o ovo ou a galinha?” A agência ou a estrutura?
Para dar um exemplo mais prático desse conceito, pense nas carreiras que são consideradas “femininas”, como a de babá. As mulheres realmente optam mais por essa profissão que os homens? Podemos dizer que sim. Mas optam mais por ser uma profissão considerada socialmente feminina? Também podemos dizer que sim, e a escolha constante de mulheres por essa profissão, mais do que pelos homens, ajuda a perpetuar a ideia de que ser babá é uma profissão socialmente considerada feminina.
Quando trabalhamos com carreira, é importante ter em mente que a carreira vai muito mais além do que uma escolha exclusivamente individual.
Por isso, sempre que falarmos em carreira, devemos levar em consideração os três fatores que a compõe, que chamo de tríade da carreira. O primeiro fator é o próprio indivíduo, que é quem é o “dono” da carreira, e carrega consigo seus objetivos, personalidade, habilidades, interesses e aspirações com o intuito de construir sua trajetória profissional. É o poder de agência, de decidir o que é melhor para si com base nos próprios critérios pessoais. Um exemplo é aquela menina que decide seguir uma carreira como designer pois tem habilidade e gosta de desenhar, ou o rapaz que faz uma transição para a carreira de psicólogo pois tem interesse em ajudar os outros e ótima habilidade interpessoal.
No entanto, o indivíduo não é o único responsável pela condução da sua carreira. É preciso que ele encontre um espaço para desenvolver seu trabalho e possa exercer aquilo que deseja ou pode realizar. Sendo assim, o segundo fator são as organizações ou o mercado de trabalho em que se desenrolam as carreiras. Um exemplo que expressa bem esta relação é o de um cirurgião. O indivíduo pode ter interesse e todas as competências necessárias para esta profissão, mas se ele não encontra uma organização ao qual possa desempenhar este trabalho, dificilmente conseguirá desenrolar uma carreira neste sentido. Outro exemplo, ainda mais evidente, é o de um astronauta, que reforça mais ainda a necessidade de uma empresa ou mercado para que o profissional possa atuar e desenvolver sua carreira.
Será que nós brasileiros, temos acesso a qualquer tipo de profissão que desejarmos? Ou depende do nosso mercado de trabalho? Qual o acesso que temos às diferentes profissões?
Por fim, o terceiro fator é a sociedade. Aspectos mais macro associadas a questões de gênero, classe social, economia, por exemplo, impactam diretamente a carreira. Uma mulher brasileira tem perspectivas de carreira muito diferentes do que a mulher que vive no Oriente Médio, por exemplo. Uma crise econômica pode impactar fortemente a maneira como conduzimos nossas carreiras – seja com o desemprego ou aceitando um emprego em outra área de atuação. Até nossas escolhas profissionais, como qual profissão seguir, é fortemente pautada por questões culturais e sociais. Como vimos, o fato de ter profissões consideradas mais femininas, como a enfermagem por exemplo, e outras mais masculinas, como a engenharia elétrica, são fortemente influenciadas por aspectos ligados à cultura e sociedade. Claro, esses paradigmas vêm mudando, e muitas profissões como psicologia ou engenharia civil já não tem mais maioria expressiva de mulheres ou homens por exemplo. Isso também é devido a uma mudança nas concepções sociais a respeito destas profissões por exemplo.
Acho interessante trazer estas perspectivas, pois temos a tendência de pensar a carreira no nível do indivíduo, ignorando muitas vezes que esses estão inseridos em um contexto muito maior que exerce grande influência em suas escolhas. Por isso, é fundamental que nós, profissionais que trabalhamos com carreira, seja no consultório, na empresa ou na sala de aula, estejamos atentos para todos estes aspectos que a envolvem. Há sempre um contexto, uma pessoa e um mercado por trás de cada decisão – e nosso papel é fazer com que nosso cliente, funcionário ou coachee possa identificar esses fatores e como eles exercem influência em suas escolhas. Assim, poderão tomar decisões mais conscientes, livres e realizadoras para sua trajetória profissional.
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